sábado, 29 de agosto de 2009





Olhava o céu sobre o chão da minha varanda
Tantos ais de espaços a vagar sobre o meu corpo
tantas carnes ardidas a serem veledas, tanto sentir
Eu era um tanto de tantas coisas
que nenhuma estrela haveria de contar-me.
Consenti, pois, com o céu
que ouviria do seu silêncio somente as coisas de amor do mundo.
Ele respondeu-me com o vento
arrastou meus cabelos pelo chão
despiu-me
e sussurou numa nota uníssona
AME.

Camila Brito
imagem de Jack Vettriano

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Madrugada

As horas da madrugada
Como são traiçoeiras
esperam por você na hora mais dispersa
e rapta tu de tu mesma
uma espiã sedenta
rouba-lhe as últimas gotas d`água
e grava-lhe tudo
e repete tudo como num gravador
Quero-te aqui nessas madrugadas de insônia
assim não precisaria transar a lua, a noite
transaria os sentidos e ouviria vozes ao pé do ouvido
me dizendo segredos indecentes
que só se dizem nessas madrugadas.

Camila Brito

Morrerei amando



É orgânico dizer-lhe do meu amor todo o tempo.
por vezes seca meu ser, de uma sede que não cessa
que não há bocas, mãos
outros amores que baste para encharcar meu corpo.
ele me assusta, de tão imenso
bem maior que o meu humano
e esse gigante me olha e eu tenho medo
sim, por vezes eu tenho medo
porque ele quer me dominar, ele me domina com tuas sedas e lâminas
e me rasga
ele me dói também
quando não tenho teus braços pra me acolher e me soprar somente as coisas belas.
ele finge que não sabe que não tenho muletas para sustentar meu peso
e ele enfraquece minha duas únicas pernas
confunde meus horizontes
e eu ando perdida como uma bêbada
sem lar, sem rumo.
Por horas chego a pensar que sou frágil demais para o amor
porque não cabe em mim
ele me cega e me arrasta pra cantos nunca antes existentes.
e só agora eu sei, pois só agora eu sinto mesmo o que é amar
mas é ele quem desperta meu corpo, acende minha alma, dá sentido a minha vida
sim, minha sina é morrer de amor, por amor, só por ele.
eu sei
morrerei amando.


Camila Brito

imagem de Edvard Munch

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

__



A outra dizia-se plena e íntegra
e zombava desta, fragmentada
descortinada e por isso quente
fugia da nudez pulsante
que outrora trazia à mostra
passou a relatar os fatos que remetiam ao imenso flácido verso da pele
viu esta, arrancava-lhe vorazmente a roupa
fodia-lhe, arrombando sem dó os orifícios frágeis
gozando seco em tua própria face.
Sangrava por inteiro, não mais íntegra e plena
curvou-se, pois, sobre a cama
apoiada por aquela
que tirava a própria roupa do corpo para acalantar tua dor
quem cobria-lhe agora era teu espelho


Camila Brito

sábado, 22 de agosto de 2009

Soneto do Amor Total



Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Vinícius de Moraes

Àquele que uiva

Profetizei teu caminho

Eu vi o teu futuro

O vi vagando pelos limites do abismo

Correndo perigo, querendo fugir

Bailando a sublime valsa dos loucos

Permeando horas de madrugadas sem fim

Vi tuas pernas tremerem

O vi cair em uma cama cósmica, envolta por seres amantes

Enquanto o mundo era suspeito do crime de não gozar

Trêmulas entre os espaços carnudos de quadris

Orifícios à procura do beijo

Transportes suburbanos ao universo dos delírios

Autênticos astronautas levitando em direção à glória

Vencedor e vencido, por litros de suor a dentro

Buscavas o céu e ganhastes a carne, pele com pele, imagem e semelhança

Tu plantavas no fluido da vida

A cada esquina paria uma flor

Lavada com teu líquido

Sujos de orgias cadentes

Teu peito partindo a fundo

um buraco vermelho sob o mundo

Engolindo as cores, os rios, os mares

Engolindo tuas próprias flores paridas

Engolindo a luz

Teu corpo explodindo

Ensandecidos

Dançando ao som do espaço flutuante

Também dancei

Estais salvo

Deus te condena

Mas a seca do mundo te perdoa

Derrama sobre ele tua água

Transborda teu corpo

Vi o teu futuro

Estais salvo


Camila Brito

Junho.2009

Tuas mãos



Tuas mãos
que me calaram gritos marginais
tocaram-me o céu, fazendo saltar meu calor subterrâneo
que acariciou meus cabelos grossos e fingidos
minha pele negra por amor
agora fogem como ladras cínicas
depois de esvaziado o lar
mas com elas, escreve
volto e recupero tudo.

Camila Brito
junho.2009

Pormenor

Por vezes quero lhe dar o mundo,
tenho vontade de aguar se não posso alcançar teus pés.
Meu eu está frente a ti,
E peço a todo momento que não feche os olhos.

Camila Brito
março.2009

Vazio

Quando nessas noites
que adentram cruéis
nos arrancam véus
que no céu vaporizam
tão superficiais e rotineiros
sob a noiva circular
tira-nos o lençol que encobre
a beleza que outrora recolheu um amor
as luzes frente o espelho
e o espelho à fronte
em meio ao turbilhão de idéias
que somem
se despedaçam por completo
o chão rejeita
como rejeita os meus grossos e longos fios de cabelo
tão condicionados, anos e anos
depois tudo despido
sopros ao pé do ouvido
um arsenal primo
raspando-me ao som crispante da noite
frente e verso
bem mais verso que frente
caida
aos pés da minha própria sombra
que não me diz nada
além do meu próprio vazio.


Camila Brito

Junho.2009