segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Poesia

Gostei do poema curto, traduz um pensamento meu sobre o que escrevo. Aproveito para socializar e fazer a primeira postagem do ano...ando em recesso desse blog.

A magia do poema está na multiplicidade de sentidos e relações. O fazer poético não deve ser determinado pela causa que o impulsiona. A primeira palavra escrita nos leva a tantas outras possibilidades, que nem mesmo o autor pode medir, embora não haja mesmo razão para tal. E mesmo assim, são apenas a expressão codificada de algo que quer nascer, ser cuspido para fora para depois ser mastigado, saboreado, deliciado por outrem.
Cada qual que entenda do seu jeito, que faça do poema o que bem entender.
O poema é livre, a poesia é livre, assim como nós somos. Não há que se buscar porquês.
O poema é, apenas, ele está para nós como estamos para ele.

"Se alguém te perguntar o que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo."
Mário Quintana

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Ao útero da terra





Me destes olhos
quais puderam ver a beleza além da fronte
Me destes mãos
quais passaram por podres carnes
mas puderam tocar teus cabelos ralos e perfumados
Me destes dois pés
perco-me, encontro-me, em tantos quadrados de chão
Criei um mundo pra mim
enquanto podia estar cega de realidade
Eu escolhi voar
enquanto tu rasgavas o coração
e distribuía dentre as lágrimas que os covardes bebem
Eu não sei quem sou, nem onde quero chegar
tu caminhas para o futuro
e por onde vai brotam flores
Sabe da dor, se perde nela
Eu vago na rua deserta da alegria
Brindo o amor com os amigos
choro sozinha no banheiro sujo
Tu que me empurrastes pro abismo
como uma mãe passarinha
Viu-me pegar os ventos quentes
que migravam pra outra direção
e só voltar quando nada mais me fazia sentido
querendo teus braços por mais uns tempos
e deixando-te de novo a esperar meus braços
Não pude ver teu choro, pois eu estava dormindo
Eu sonhava
Tu cantavas para o mundo em tuas costas
e ouvia o eco no vazio dos homens
e nem assim deixastes o teu filho
este que é o maior e mais cruel de todos
Não sei se vou longe
repito, nem mesmo sei por onde a trilha segue
Tu que sabes de tudo
e ainda assim de nada sabe
Ergue-me tuas mãos
mas não antes de tocar o teu próprio corpo
e não te preocupes
nestas horas estarei voando
Nos encontraremos após
num pequeno lugar
dos que amam e choram

Camila Brito
pintura de Colette Calascione

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Ao amor que me move

Quantas voltas até lhe achar
quantos desencontros até nos encontrarmos
o tempo lhe trouxe, me trouxe
e hoje estamos aqui, assim
onde devemos estar
como a vida assim se mostra
tão bela e rotineira
e você me preenche, me conforta, me alimenta
você me completa
e hoje há tanto o que falar, o que sentir, viver
quanto amor para seguirmos em frente
mergulhamos em nossos próprios desejos
os mais sinceros, verdadeiros, belos
mergulhamos em nossa própria verdade
no amor que construímos a cada dia
e ainda há muito, há tanto
assim como me envolves
como em tuas mãos deixo minha alegria
Amo-te por quem és
e como em mim te acendes
Amo-te porque sou
e como em ti nasço
Amo-te meu bem,
por completo.
Camila Brito, 01.2010






quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Por entre os lábios
surgem, enrroscadas luvas
desvendando os sóis de faíscas pulsantes
e o céu privado queixa-se das sombras findas
dos tempos de reza
a tanto, postos passados
o dia enfim chegaste
e assim expostas as carnes veladas
desfaz-se
derrete
e líquida, branca
retorna para olhar a lua.


Camila Brito

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Filosofia, Pablo Neruda.


O poema Filosofia é um dos que mais aprecio no livro Coração Amarelo. Pela forma simples como fala de uma coisa impalpável mas que ao mesmo tempo é nossa e nos acende a beleza da existência.
Pablo Neruda é um dos meus maiores companheiros quando se fala de amor e, antes de tudo, do humano.



Filosofía

Queda probada la certeza
del árbol verde en primavera
y de la corteza terrestre:
nos alimentan los planetas
a pesar de las erupciones
y el mar nos ofrece pescados
a pesar de sus maremotos:
somos esclavos de la tierra
que también es dueña del aire,

Paseando por una naranja
me pasé más de una vida
repitiendo el globo terrestre:
la geografía y la ambrosía;
los jugos color de jacinto
y un olor blanco de mujer
como las flores de la harina.

No se saca nada volando
para escaparse de este globo
que te atrapó desde nacer.
Y hay que confesar esperando
que el amor y el entendimiento
vienen de abajo, se levantan
y crecen dentro de nosotros
como cebollas, como encinas,
como galápagos o flores,
como países, como razas,
como caminos y destinos.


---------------------------


Fica provada a certeza

da árvore verde na primavera

e do córtex terrestre

- alimentam-nos os planetas

apesar das erupções

e o mar nos oferece peixes

apesar de seus maremotos –

somos escravos da terra

que também é dona do ar.

Passeando por uma laranja

eu passei mais de uma vida

repetindo o globo terrestre

- a geografia e a ambrosia –

os jogos cor de jacinto

e um cheiro branco de mulher

como as flores da farinha.

Nada se consegue voando

para se escapar deste globo

que te aprisionou ao nascer.

E há que confessor esperando

que o amor e o entendimento

vêm de baixo, se levantam

e crescem dentro de nós

como cebolas, azinheiras,

como tartarugas ou flores

como países, como raças,

como caminhos e destinos.




segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Jogos Frutais

Tem um poema bem bonito do João Cabral que li numa noite chuvosa de outono. Acho que foi a partir destes versos que comecei a gostar do poeta, não sei se pelas sensações que me acendem, de uma sinestesia necessária, ou se pela boa escrita. Acho que os dois juntos...
Hoje senti vontade de relê-lo, agora sem chuva mas com uma noite gostosa que as horas insistem em atravessar...



Jogos Frutais

De fruta é tua textura

e assim concreta;
textura densa que a luz
não atravessa.
Sem transparência:
não de água clara, porém
de mel, intensa.

Intensa é tua textura
porém não cega;
sim de coisa que tem luz
própria, interna.
E tens idêntica
carnação de mel de cana
e luz morena.

Luminosos cristais
possuis internos
iguais aos do ar que o verão
usa em setembro.
E há em tua pele
o sol das frutas que o verão
traz no Nordeste.

É de fruta dó Nordeste
tua epiderme:
mesma carnação dourada.
solar e alegre.
Frutas crescidas
no Recife relavado
de suas brisas.

Das frutas do Recife.
de sua família.
tens a madeira tirante.
muito mais rica.
E o mesmo duro
motor animal que pulsa
igual que um pulso.

De fruta pernambucana
tenso animal,
frutas quase animais
e carne carnal.
Também aquelas
de mais certa medida,
melhor receita.

o teu encanto está
em tua medida,
de fruta pernambucana,
sempre concisa.
E teu segredo
em que por mais justo tens
corpo mais tenso.

Tens de uma fruta aquele
tamanho justo; .
não de todas. de fruta
de Pernambuco.
Mangas,mangabas
do Recife. que sabe
mais desenhá-las.

És um fruto medido.
bem desenhado;
diverso em tudo da jaca,
do jenipapo.
Não és aquosa
nem fruta que se derrama
vaga e sem forma.

Estás desenhada a lápis
de ponta fina.
tal como a cana-de-açúcar
que é pura linha.
E emerge exata .
da múltipla confusão
da própria palha.

És tão elegante quanto
um pé de cana,
despindo a perna nua
de dentre a palha.
E tens a perna
do mesmo metal sadio
da cana esbelta.

o mesmo metal da cana
tersa e brunida
possuis, e também do oiti,
que é pura fibra.
Porém profunda
tanta fibra desfaz-se
mucosa e úmida.

Da pitomba possuis.
a qualidade
mucosa, quando secreta,
de tua carne.
Também do ingá,
de musgo fresco ao dente
e ao polegar.

Não és uma fruta fruta
só para o dente,
nem és uma fruta flor,
olor somente.
Fruta completa:
para todos os sentidos,
para cama e mesa.

És uma fruta múltipla,
mas simples, lógica;
nada tens de metafísica
ou metafórica.
Não és O Fruto
e nem para A Semente
te vejo muito.

Não te vejo em semente,
futura e grávida;
tampoucoem vitamina,
em castas drágeas.
Em ti apenas
vejo o que se saboreia,
não o que alimenta.

Fruta que se saboreia,
não que alimenta:
assim descrevo melhor
a tua urgência.
Urgência aquela
de fruta que nos convida
a fundir-nos nela.

Tens a aparência fácil,
convidativa,
de fruta de muito açúcar
.que dá formiga.
E tens o apelo
da sapota e do sapoti
que dão morcego.

De fruta é a atração
que tens, a mesma;
que tens de fruta, atração
reta e indefesa.
Sempre tão forte
na carne e espádua despida
da fruta jovem.

És fruta de carne jovem
e de alma alacre,
diversa do oiti-coró
porque picante.
E, tamarindo,
deixas em quem te conhece
dentes mais finos.

És fruta de carne ácida,
de carne e de alma;
diversa da do .mamão,
triste, estagnada.
É do nervoso
cajá que tens o sabor
e o nervo-exposto.

És fruta de carne acesa,
sempre em agraz,
como araçás, guabirabas,
maracujás.
Também mangaba..
deixas em quem te conhece
visgo, borracha.

Não és fruta que o tempo
ou copo de água
lava de nossa boca
como se nada.
Jamais pitanga,
que lava a Iínguae a sede
de todo estanca.

Ácida e verde, porém
já anuncias
o açúcar maduro que
terás um dia.
E vem teu charme
do leve sabor de podre
na jovem carne.

Aumentas a sede como
fruta madura
que começa a corromper-se
no seu açúcar.
Ácida e verde:
contudo, a quem te conhece
só dás mais sede.

Ao gosto limpo do caju,
de praia e sol,
juntas o da manga mórbida,
sombra e langor.
Sabes a ambas
em teus contrastes de fruta
pernambucana.

Sem dúvida, és mesmo fruta
pernambucana:
a graviola, a mangaba
e certas mangas.
De tanto açúcar
que ainda verdes parecem
já estar corruptas.

És assim fruta verde
e nem tão verde,
e é assim que te vejo
de há muito e sempre.
E bem se entende
que uns te digam podre e outros
te digam verde.


João Cabral de Melo Neto



sábado, 19 de setembro de 2009

Sobre as coisas



mora em mim uma eterna nostalgia
as correntes mantendo a fonte
oceanos continuamente tocando-se
indo, vindo, rodando
rondando espaços
parindo corpos
livres de si
livre dos portos que atracam
retornando à deusa azul
como nós retornamos ao ventre
do amor que nutre nossos corpos em movimento
eternamente livres de si
correndo águas
banhando-se nelas
sentindo sede
e ainda assim essa sede que não cessa



Camila Brito

quinta-feira, 3 de setembro de 2009




Troquei os pés, uma boa noite sem resposta
Quis voltar pela mesma porta em que havia entrado
Apenas o meu corpo
o resto foi caindo pelo caminho
fragmentando-se, diluindo-se, ardendo, de bons quereres.
Apenas o meu corpo
E ainda assim nem todo por completo
Umas partes pela tua cama, outras pela tua pele
Rasguei os pensamentos que outrora quis congelar em um papel qualquer
Doía por fora, entre as dobraduras dos órgãos
E as esquinas da realidade que latejava em minha cabeça
Em frente à cadeira havia uma máquina
Que me levava, não sei bem como, ao exato lugar em que deveria estar
o lugar qual deixei atrás da porta, antes de trocar os pés e perder aquelas tais partes do meu corpo
Não pedi aos céus que caíssem e trouxessem os deuses
não quis ouvir tais favas que inconformam o meu estar dentro de mim
Essas noites de deleite sem pudor, esperam-me
E eu também as espero, gozada nos melhores travesseiros
Roupas bem lavadas, perfumes recém-abertos
E atrás da porta um mundo
que no encontro com o que carrego em mim
Há uma festa de prazeres indizíveis, salvo os tortos ouvidos
Estou salva!
São os salvos
Acho que sobrevivo até minha morte.

sábado, 29 de agosto de 2009





Olhava o céu sobre o chão da minha varanda
Tantos ais de espaços a vagar sobre o meu corpo
tantas carnes ardidas a serem veledas, tanto sentir
Eu era um tanto de tantas coisas
que nenhuma estrela haveria de contar-me.
Consenti, pois, com o céu
que ouviria do seu silêncio somente as coisas de amor do mundo.
Ele respondeu-me com o vento
arrastou meus cabelos pelo chão
despiu-me
e sussurou numa nota uníssona
AME.

Camila Brito
imagem de Jack Vettriano

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Madrugada

As horas da madrugada
Como são traiçoeiras
esperam por você na hora mais dispersa
e rapta tu de tu mesma
uma espiã sedenta
rouba-lhe as últimas gotas d`água
e grava-lhe tudo
e repete tudo como num gravador
Quero-te aqui nessas madrugadas de insônia
assim não precisaria transar a lua, a noite
transaria os sentidos e ouviria vozes ao pé do ouvido
me dizendo segredos indecentes
que só se dizem nessas madrugadas.

Camila Brito